Saturday, March 10, 2007

Artigos Selecionados - ‘Os grandes portugueses’

Publicado no «PRAVDA.Ru»

“Custa a crer que alguém, em seu perfeito juízo, se lembre de perguntar se Aristides de Sousa Mendes foi pior ou melhor que D. João II e proponha decidir o dilema por meio do sufrágio popular. Mas a Direcção de Programas da RTP considerou genial a ideia de pôr à votação a preferência do público por uma de dez grandes figuras da História nacional. Como em todos os concursos e competições, teria as audiências garantidas. Responderia de forma espectacular à persistente acusação de a RTP, enquanto serviço público, fazer muito menos do que deve pela cultura intelectual e artística do povo português e teria a vantagem de estimular louváveis sentimentos patrióticos. Por isso, a Direcção de Programas escolheu, para abrilhantar o concurso, figuras mediáticas capazes de atrair mais público e criou programas para recriar ambientes históricos e reconstituir dramas e batalhas.

Mas teve medo de exigir demasiado dos telespectadores. Para compensar o esforço intelectual que lhes pedia, condimentou a disputa espalhando algum cheiro a sangue. Com ajuda dos comentadores de serviço, difundiu o boato de que o vencedor seria Salazar e que, nas finais, ele se defrontaria com o seu grande adversário, Álvaro Cunhal. O programa atrairia assim o máximo das audiências. Chamaria a atenção não só dos consumidores de toda a espécie de concursos mas também do público sensível à excitação das votações partidárias. Partindo do princípio de que, quanto mais rasteiro fosse o nível dos programas, maiores seriam as audiências, tratou de simplificar o quadro histórico e de diluir o rigor das referências. Assim, por exemplo, por meio de uma sensacional aproximação, tentou demonstrar que a maior glória de Afonso Henriques foi ter fundado um país que até tinha conseguido chegar às finais do Euro-2004. As batalhas que o nosso primeiro rei venceu, com armaduras do século XV, prefiguravam as vitórias portuguesas nos campeonatos internacionais, e até o milagre de Ourique anunciava tão ‘impossível’ sucesso.

Estas subtis comparações fariam o público compreender intuitivamente o segredo da alma nacional e confirmar os seus sentimentos patrióticos. Os saudosistas do antigo regime seriam facilmente atraídos ressuscitando o primarismo apologético de um documentário dedicado a Salazar que mais parecia editado pelos serviços de propaganda do Estado Novo. Mas era imperioso evitar a contaminação das abstracções intelectuais. Impedir os académicos de colocar questões metafísicas e de suscitar debates de ideias. Excluir problemas confusos e distinções subtis. Também não era preciso recorrer a profissionais de um jornalismo de conteúdos nem a verdadeiros criadores artísticos, como, por exemplo, da área do teatro. Mais valia renunciar a reflectir sobre o que é a nação e o que representam os grandes nomes da sua História. Bastava consultar os técnicos das audiências. Com toda a razão. São eles que, com as suas sentenças, nem sempre muito consistentes, escolhem (ou julgam escolher) os grandes portugueses de hoje. Veremos se o futuro lhes dará razão.

Entretanto, como profissionais da investigação e do ensino da História, não podemos deixar de lamentar a desinformação e a manipulação que está em curso. A História de Portugal, nas suas complexidades e contradições, nas suas grandezas e misérias, seguramente merecia outra coisa.”

José Mattoso, prof. cat., FCSH/UNL; Fernando Rosas, prof. cat., FCSH/UNL; Luís Reis Torgal, prof. cat., FL/UC; António Reis, prof. aux., FCSH/UNL; Cláudio Torres, arqueólogo; Mirian Halpern Pereira, prof. cat., Dep. História ISCTE; António Manuel Hespanha, prof. cat., FD/UNL; Romero Magalhães, prof. cat., FL Universidade de Coimbra; Eduardo Cintra Torres, mestre em comunicação; Abdoolkarim Vakil, lecturer in Contemporary Portuguese History, King’s College, Londres, e mais 81 investigadores e historiadores universitários.

[Expresso ( excerto ), 03-03-2007] Versão integral do abaixo assinado, divulgado no jornal Expresso

Apoio e subscrevo inteiramente este abaixo-assinado sem restrições. De facto, lamento que o Serviço Público de Televisão - RTP entre no campo da desinformação e da manipulação da História. Aconselho-vos, ainda, a leitura de um magnífico artigo da Citizen Mary - Tempos interessantes… ( Porque História não é uma corrida. Não é um jogo….)

4 comments:

João Magalhães said...

De facto, o programa da RTP1 é comercial e nem por isso o melhor sobre história mas devemos ver o outro lado da moeda, pelo menos a história está a ser mostrada e, para muitos, revivem-se nomes que permaneceram escondidos nos livros de história tão detestados por tantos.
Convém ver, que tipo de programas de história temos acesso???
Além do Hermano José Saraiva, também ele proscrito por alguns "historiadores" temos o que se possa ver no History Channel e mesmo esse já teve os seus tempos de glória. Penso que aqueles doutos historiadores que tanto criticam também se deviam esforçar para tirar o mofo de diálogos monótonos (mais cheios de ego que de construtivismo) e fazer então um dito programa cultural de história (séria) de Portugal, sem que rapidamente se mude de canal.
Creio que o facto de se ter criado uma votação, não é de todo feliz mas concordo com esta amostragem, ou gosto ao paladar, de alguns ilustres portugueses. Desta forma pode ser que alguém se lembre mais das lições que a história nos devia ter deixado presente na memória.

Anonymous said...

É fartar vilanagem. E fico por aqui para não ter que ser muito mais contundente. Um abraço. e vê lá se não te esqueces de pagar o IRS. Já sabes para onde é que ele vai. Para a saúde, para a educação é que não é de certeza.

Anonymous said...

Este é um grande Portugues.

Anonymous said...

Great work.